capoeira 1a

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quinta-feira, 1 de maio de 2014

Capítulo 2 / CAPOEIRA E IDENTIDADE NACIONAL: DE CRIME POLÍTICO À PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL. "Capoeira, identidade e gênero: ensaios sobre a história social da capoeira no Brasil", de Josivaldo Pires de Oliveira e Luiz Augusto Pinheiro Leal.

"A capoeira é oriunda da experiência sociocultural de africanos e seus descendentes no Brasil. Conta em sua trajetória histórica a força da resistência contra a escravidão e a síntese da expressão de diversas identidades étnicas de origem africana." (pg 43)

"O registro possibilita o desenvolvimento de medidas governamentais de suporte à comunidade da capoeira, a exemplo de um plano de previdência social para os velhos mestres da capoeiragem; programas de incentivo para o desenvolvimento de políticas pelos próprios grupos de capoeiras com o auxílio do Estado. Além disso, há do ponto de vista de uma política estrutural para capoeira, a intenção do IPHAN, por consequência do tombamento, de criar um Centro Nacional de Referência da Capoeira." (pg 44)

A capoeira patrimônio: o percurso do reconhecimento.

"Nessa perspectiva, a capoeira atendia um padrão estético e simbólico extraocidental, não correspondendo ao que se estabelecia como referencial de cultura nacional. Os símbolos veiculados pela prática da capoeira estavam carregados de valores produzidos na experiência afro-diaspórica no Brasil, além da carga de marginalidade que o agente da capoeiragem suportava por conta da criminalização que restringia a prática e seus valores socioculturais desde o século XIX". (pg 46)

"Segundo Silvia Helena Zanirato e Wagner Costa Ribeiro, "a alteração [do conceito de patrimônio] também se deu em face da constatação de que os signos das identidades de um povo não podem ser definidos tendo como referência apenas as culturas ocidentais". Nessa perspectiva, a capoeira se aproximava da possibilidade de ser reconhecida como patrimônio da cultura brasileira. Entretanto, ao tempo em que a noção de patrimônio cultural se ampliava a capoeira se tornava, pela experiência que ela produzia junto aos diferentes segmentos sociais da sociedade brasileira, um símbolo particular de nacionalidade brasileira." (pg 47)

Capoeira e identidade nacional: significados históricos.

"Conde Gobineau, Sílvio Romero, Nina Rodrigues, entre outros, são invocados para representar aqueles que viam como uma influência negativa a presença negra na constituição da nação brasileira. A eugenia, inspirada por estes intelectuais, fundamentava medidas políticas que visavam ao embranquecimento da população brasileira no menor tempo possível. Entre tais medidas, destacam-se as diversas campanhas em favor da migração européia para o país e a violenta repressão às práticas culturais de matriz africana em favor de modelos culturais europeus. É justamente nesta segunda medida, confirmadora do projeto de embranquecimento cultural do Brasil, que podemos encontrar a experiência da capoeira como uma resistência negra relacionada à formação da identidade nacional e, por conseguinte, como patrimônio cultural brasileiro." (pg 47/48)

"Por trás desta nova significação, estavam alguns cientistas sociais que inovaram os estudos sobre o negro no Brasil ao substituírem, em suas interpretações, a categoria "raça" pela de "cultura" (destacam-se nesse aspecto os trabalhos de Arthur Ramos, Edson Carneiro e Gilberto Freyre). Posteriormente, a capoeira também seria resgatada como cultura nacional, a partir das obras de Jorge Amado, Carybé e Pierre Verger. Literatura, pintura e fotografia foram, respectivamente, os instrumentos de divulgação das principais características positivas daquela arte-luta. Claro que esses intelectuais não estavam dando atenção exclusiva para a capoeira, mas sim a uma boa parte das manifestações culturais afro-brasileiras." (pg 48)

"Nos processos eleitorais, desde a Monarquia até a primeira República, os principais dirigentes políticos das cidades citadas solicitavam a ação de capoeiras na hora de decidir o pleito eleitoral. Além do projeto de embranquecimento da população e, por extensão, da cultura brasileira, foi justamente a ação do capoeira como capanga político que inspirou a inserção da capoeira como crime no Código Penal republicano, sob a epígrafe 'Dos vadios e capoeiras'". (pg 50)

"No século XX, o referencial da capoeira se volta para a Bahia, onde na década de 30 foi criada a chamada Capoeira Regional e logo em seguida, como resposta a ela, se organiza a capoeira Angola.10 Ambas, segundo Vieira e Assunção, foram fruto de uma adequação ou modernização da capoeira, frente a um novo contexto histórico-social. As duas modalidades se opunham a uma outra espécie de capoeira - ancestral de ambas - que, conforme os discursos repressivos e até mesmo segundo alguns mestres mais antigos, era refúgio de "desordeiros e valentões"." (pg 50/51)

"Durante vários anos, a dicotomia Regional x Angola foi predominante no meio da capoeiragem do século xx, no entanto já existe um movimento dos descontentes com a divisão da capoeira em dois pólos, portanto, supostamente opostos, e que defendem a ideia da capoeira como uma prática única. Nomes não faltariam para identificar a nova tendência. E assim surge a capoeira intitulada de contemporânea, por alguns, angonal por outros e, ainda, atual por terceiros. Dessa forma, a experiência social da capoeira é algo que vai bem mais longe do que uma simples invenção (com o sentido de algo terminado, acabado) de uma prática cultural. Ela é, na verdade, uma "constante" reinvenção (algo que está em constante construção). Isto significa que em cada momento histórico a prática da capoeira possui significados e características próprias." (pg 52)

"Uma história que trata de certos indivíduos que estariam sendo apontados como marginais em determinado momento - portanto, excluídos da sociedade devido às suas qualificações "negativas" - e que seriam "assimilados" em outra ocasião, graças aos benefícios que poderiam trazer à mesma sociedade ou a grupos particulares. A alteração do significado atribuído esses indivíduos (ou às suas práticas socioculturais) ocorreria conforme as conveniências dos que a eles se referiam." (pg 53)

Capoeira: identidade e patrimônio cultural brasileiro.

"Nesse sentido, os capoeiras tiveram seus momentos de "valorização" nos últimos anos da Monarquia, devido à participação na Guerra do Paraguai (a capoeiragem, no Rio de Janeiro, até chegou a ser associada ao Partido Conservador). Mas logo que a República foi proclamada a situação se inverteu. A capoeira passou a ser considerada como um crime no então recém elaborado Código Penal republicano." (pg 54)

Esse capítulo trata de como a capoeira se relacionava com os diferentes contextos históricos e, assim, era vista desde como uma arte popular à crime, vadiagem, de acordo com os interesses políticos de cada época. É indiscutível o seu reconhecimento enquanto identidade afro/brasileira e portanto, uma das matrizes da nossa cultura. É também indiscutível que esta arte, filosofia, dança tenha sido perseguida pelo seu forte caráter de resistência à repressão européia que via naquele povo, uma união perigosa ao sistema social vigente da época que objetivava uma limpeza étnica. Uma preocupação importante que os autores fazem é a cerca da folclorização cultural na qual a capoeira se encontra alienada de si mesma. Um convite à reflexão do que se quer com a capoeira enquanto patrimônio nacional a fim de que suas raízes ancestrais não sejam esquecidas e vendidas enquanto suvenior, engolidas pelo sistema capitalista.

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