capoeira 1a

capoeira 1a

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Capítulo 2 / CAPOEIRA E IDENTIDADE NACIONAL: DE CRIME POLÍTICO À PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL. "Capoeira, identidade e gênero: ensaios sobre a história social da capoeira no Brasil", de Josivaldo Pires de Oliveira e Luiz Augusto Pinheiro Leal.

"A capoeira é oriunda da experiência sociocultural de africanos e seus descendentes no Brasil. Conta em sua trajetória histórica a força da resistência contra a escravidão e a síntese da expressão de diversas identidades étnicas de origem africana." (pg 43)

"O registro possibilita o desenvolvimento de medidas governamentais de suporte à comunidade da capoeira, a exemplo de um plano de previdência social para os velhos mestres da capoeiragem; programas de incentivo para o desenvolvimento de políticas pelos próprios grupos de capoeiras com o auxílio do Estado. Além disso, há do ponto de vista de uma política estrutural para capoeira, a intenção do IPHAN, por consequência do tombamento, de criar um Centro Nacional de Referência da Capoeira." (pg 44)

A capoeira patrimônio: o percurso do reconhecimento.

"Nessa perspectiva, a capoeira atendia um padrão estético e simbólico extraocidental, não correspondendo ao que se estabelecia como referencial de cultura nacional. Os símbolos veiculados pela prática da capoeira estavam carregados de valores produzidos na experiência afro-diaspórica no Brasil, além da carga de marginalidade que o agente da capoeiragem suportava por conta da criminalização que restringia a prática e seus valores socioculturais desde o século XIX". (pg 46)

"Segundo Silvia Helena Zanirato e Wagner Costa Ribeiro, "a alteração [do conceito de patrimônio] também se deu em face da constatação de que os signos das identidades de um povo não podem ser definidos tendo como referência apenas as culturas ocidentais". Nessa perspectiva, a capoeira se aproximava da possibilidade de ser reconhecida como patrimônio da cultura brasileira. Entretanto, ao tempo em que a noção de patrimônio cultural se ampliava a capoeira se tornava, pela experiência que ela produzia junto aos diferentes segmentos sociais da sociedade brasileira, um símbolo particular de nacionalidade brasileira." (pg 47)

Capoeira e identidade nacional: significados históricos.

"Conde Gobineau, Sílvio Romero, Nina Rodrigues, entre outros, são invocados para representar aqueles que viam como uma influência negativa a presença negra na constituição da nação brasileira. A eugenia, inspirada por estes intelectuais, fundamentava medidas políticas que visavam ao embranquecimento da população brasileira no menor tempo possível. Entre tais medidas, destacam-se as diversas campanhas em favor da migração européia para o país e a violenta repressão às práticas culturais de matriz africana em favor de modelos culturais europeus. É justamente nesta segunda medida, confirmadora do projeto de embranquecimento cultural do Brasil, que podemos encontrar a experiência da capoeira como uma resistência negra relacionada à formação da identidade nacional e, por conseguinte, como patrimônio cultural brasileiro." (pg 47/48)

"Por trás desta nova significação, estavam alguns cientistas sociais que inovaram os estudos sobre o negro no Brasil ao substituírem, em suas interpretações, a categoria "raça" pela de "cultura" (destacam-se nesse aspecto os trabalhos de Arthur Ramos, Edson Carneiro e Gilberto Freyre). Posteriormente, a capoeira também seria resgatada como cultura nacional, a partir das obras de Jorge Amado, Carybé e Pierre Verger. Literatura, pintura e fotografia foram, respectivamente, os instrumentos de divulgação das principais características positivas daquela arte-luta. Claro que esses intelectuais não estavam dando atenção exclusiva para a capoeira, mas sim a uma boa parte das manifestações culturais afro-brasileiras." (pg 48)

"Nos processos eleitorais, desde a Monarquia até a primeira República, os principais dirigentes políticos das cidades citadas solicitavam a ação de capoeiras na hora de decidir o pleito eleitoral. Além do projeto de embranquecimento da população e, por extensão, da cultura brasileira, foi justamente a ação do capoeira como capanga político que inspirou a inserção da capoeira como crime no Código Penal republicano, sob a epígrafe 'Dos vadios e capoeiras'". (pg 50)

"No século XX, o referencial da capoeira se volta para a Bahia, onde na década de 30 foi criada a chamada Capoeira Regional e logo em seguida, como resposta a ela, se organiza a capoeira Angola.10 Ambas, segundo Vieira e Assunção, foram fruto de uma adequação ou modernização da capoeira, frente a um novo contexto histórico-social. As duas modalidades se opunham a uma outra espécie de capoeira - ancestral de ambas - que, conforme os discursos repressivos e até mesmo segundo alguns mestres mais antigos, era refúgio de "desordeiros e valentões"." (pg 50/51)

"Durante vários anos, a dicotomia Regional x Angola foi predominante no meio da capoeiragem do século xx, no entanto já existe um movimento dos descontentes com a divisão da capoeira em dois pólos, portanto, supostamente opostos, e que defendem a ideia da capoeira como uma prática única. Nomes não faltariam para identificar a nova tendência. E assim surge a capoeira intitulada de contemporânea, por alguns, angonal por outros e, ainda, atual por terceiros. Dessa forma, a experiência social da capoeira é algo que vai bem mais longe do que uma simples invenção (com o sentido de algo terminado, acabado) de uma prática cultural. Ela é, na verdade, uma "constante" reinvenção (algo que está em constante construção). Isto significa que em cada momento histórico a prática da capoeira possui significados e características próprias." (pg 52)

"Uma história que trata de certos indivíduos que estariam sendo apontados como marginais em determinado momento - portanto, excluídos da sociedade devido às suas qualificações "negativas" - e que seriam "assimilados" em outra ocasião, graças aos benefícios que poderiam trazer à mesma sociedade ou a grupos particulares. A alteração do significado atribuído esses indivíduos (ou às suas práticas socioculturais) ocorreria conforme as conveniências dos que a eles se referiam." (pg 53)

Capoeira: identidade e patrimônio cultural brasileiro.

"Nesse sentido, os capoeiras tiveram seus momentos de "valorização" nos últimos anos da Monarquia, devido à participação na Guerra do Paraguai (a capoeiragem, no Rio de Janeiro, até chegou a ser associada ao Partido Conservador). Mas logo que a República foi proclamada a situação se inverteu. A capoeira passou a ser considerada como um crime no então recém elaborado Código Penal republicano." (pg 54)

Esse capítulo trata de como a capoeira se relacionava com os diferentes contextos históricos e, assim, era vista desde como uma arte popular à crime, vadiagem, de acordo com os interesses políticos de cada época. É indiscutível o seu reconhecimento enquanto identidade afro/brasileira e portanto, uma das matrizes da nossa cultura. É também indiscutível que esta arte, filosofia, dança tenha sido perseguida pelo seu forte caráter de resistência à repressão européia que via naquele povo, uma união perigosa ao sistema social vigente da época que objetivava uma limpeza étnica. Uma preocupação importante que os autores fazem é a cerca da folclorização cultural na qual a capoeira se encontra alienada de si mesma. Um convite à reflexão do que se quer com a capoeira enquanto patrimônio nacional a fim de que suas raízes ancestrais não sejam esquecidas e vendidas enquanto suvenior, engolidas pelo sistema capitalista.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Capítulo 1 / POR UMA HISTORIOGRAFIA DA CAPOEIRA NO BRASIL."Capoeira, identidade e gênero: ensaios sobre a história social da capoeira no Brasil", de Josivaldo Pires de Oliveira e Luiz Augusto Pinheiro Leal.

"Em seu livro, Rego utilizou como fonte de pesquisa depoimentos de alguns mestres da capoeira, a literatura memorialista dos acima referidos, romances da ficção brasileira e umas poucas notas de jornais, valendo-se, então, de sua erudição no tocante aos estudos da cultura afro-brasileira.o trabalho de Waldeloir Rego pode ser interpretado como a culminância da linha memorialista dos precursores na arte do fazer a historiografia da capoeira no Brasil. É sobre este fazer que trataremos neste capítulo." (pg 27/28)

"Alguns dos mais importantes títulos da historiografia da escravidão fizeram, direta ou indiretamente, referência aos capoeiras. Entretanto, a identificação destes agentes culturais nos arquivos policiais e judiciários foi explorada de forma mais objetiva pelos pesquisadores interessados diretamente pela prática da capoeiragem." (pg 29)

"As muitas tentativas de reprimir os capoeiras dão uma ideia da persistência do fenômeno e sugerem a importância da capoeiragem como contestação ao sistema de controle social dentro do submundo dos escravos e seus aliados nas camadas baixas da sociedade urbana. (HOLLOWAY)" (pg 29/30)

"Bretas conseguiu mapear o universo de prisões dos capoeiras no início da República, além de construir o diagnóstico social dos mesmos: "A imagem dos capoeiras é a reprodução das muitas faces da pobreza. Desfilavam cegos, pernetas, escrofulosos, todos reunidos sob o manto igualitário e discriminador de capoeiras". (pg 31)

"A literatura foi, então, incorporada ao repertório de fontes da história social nos estudos sobre capoeiragem no Brasil. Os historiadores se tornaram exímios leitores dos romances e crônicas e da própria crítica literária, buscando historicizá-Ias, "inseriIas no movimento da sociedade, investigar as suas redes de interlocução social" 16. É papel desse leitor atento, destrinchar não a suposta autonomia da literatura em relação à sociedade e sim a forma como ela (e/ou os autores) constrói (constroem) a relação com a realidade social. É importante destacar que o historiador não se torna um crítico literário e sim um atento leitor das obras e um questionador da crítica." (pg 33)

"Com esses dados no período, o autor não só demonstra serem os africanos predominantes na capoeira, como aponta também a possibilidade de que essa prática cultural tem origem nas "tradições africanas" em combinação "com 'invenções' culturais crioulas". (pg 35)

"A década de 1930 representa um período que muito chamou a atenção dos pesquisadores (...) O autor discute como, nesse período, a capoeira sofreu alterações em sua forma "ritual" e "gestual", passando por um intenso processo de transformação simbólica." (pg 37)

"A defesa pessoal do negro: a capoeira no Pará.32 Todavia, Luiz Augusto Leal amplia as possibilidades de fontes e metodologia, apropriando-se dos inquéritos e ocorrências policiais, processos crimes e legislação, artigos de jornais e obras literárias." (pg 40)

Este capítulo cita de maneira resumida, como alguns pesquisadores se basearam para historiografar a capoeira no Brasil. Como a documentação necessária a esse tipo de pesquisa fora queimada, eles partiram de matrículas na detenção já que esta prática era considerada um crime e a partir destas matrículas, eles descobriram por exemplo que a maioria dos capoeiras eram africanos.  Eles também partiram de obras literárias a fim de ter contato com o contexto social da época, como também a partir das canções, dentre outras fontes. Ele cita o momento em que a Capoeira  Angola sofre alterações em seus gestos e movimentos, tornando-se a Regional. Ressalta a ideologia da capoeira de resistência à opressão dos brancos dominantes.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Parte III / TRANSDISCIPLINARIDADE E BIODIVERSIDADE INTEGRAL. "Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental.", de Jorge Conceição.

A Capoeira Angola: consciência transdisciplinar e dança holística.

"A geometria euclidiana, a matemática e a estatística nas suas linguagens quadradas, retangulares, triangulares, circulares e numericamente fechadas, "num dois para lá e dois para cá", não preenche as exigências filosóficas (ancestrais) dos movimentos corporais dos africanos, dos asiáticos e outros povos tradicionais não colonizados ou descolonizados que dançam as linguagens múltiplas da filosofia ancestral (cosmovisionária). Assim, as formas geométricas mais regulares se dissolvem no desenho de uma espiral (livre) para o infinito sem enrijecimento espiritual!" (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 76).

"Como diria Fanon (2008), a sensualidade plena nos negros e nas negras "feriu" a incapacidade sensual (a naturalidade corporal ausente) no europeu colonizador, enrijecido pela moral sexual da Santa Inquisição (FANON, 2008). Portanto, a penalização sobre a nossa sexualidade distorce a beleza sensual e nossa vinculação forte (pelas danças) com os elementos da natureza. A descaracterização da linguagem quântica (amorosa e solidária) nas danças afros contribuiu e ainda contribui para incorporação de conteúdos e métodos mais pesados (desamorosos) na nossa dinâmica corporal." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 76).

"A sociedade humana só será renovada, se rebuscar os valores ancestrais das trocas econômicas solidárias (sem ganâncias ou vantagens unilaterais) que estão nas raízes da nossa ancestralidade ecológica e plenamente solidária com a biodiversidade. O cuidado, a felicidade, a justiça, a integridade, a economia justa e a geopolítica amorosa, só serão resgatadas para o nosso convívio, se empreendermos as construções de métodos e conteúdos educacionais cosmovisionários que devem produzir as alterações na nossa consciência desde a gestação ecológica ate as fases mais adultas." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 77).

"Nossa Mãe preparou o seu útero para gestar uma biodiversidade ... A graciosa, a cuidadosa e a sensual fêmea, "a Terra", nos seus quatro bilhões e seiscentos milhões de anos (SALGADO-LABOURIAU, 1996) vem se adaptando e amando com profundidade "o seu grandioso marido, o Sol Pai"! Com seu sêmen constituído de "gases nobres", calor e luminosidade, o pai, potencializa suas filhas e filhos com o poder da retina! Assim, os animais enxergam, andam, brincam, buscam seus alimentos, se relacionam com a luminosidade mais intensa durante o dia, e, descansam suas retinas e seus nervos óticos durante os sonos da noite. Outros repousam durante o dia (diante da luminosidade) e ativam a retina no escuro." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 79).

"Se não valorizamos a ética pluriétnica (pluricultural) e a sustentabilidade da biodiversidade, se não priorizamos as tecnologias apropriadas pluralmente e integralmente, se seres humanos, considerando-se superiores, ainda escravizam uma grande maioria de outros humanos e se apropriam de todos os recursos naturais a partir de leis absurdas, se todas as espécies e as demais manifestações físicas "da nossa Mãe 'Terra" estão poluídas, corrompidas, devastadas, violentadas, inviabilizadas, podemos garantir que, toda e qualquer propaganda a respeito de "desenvolvimento ou crescimento social" é no mínimo uma "falácia"!" (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 80).

"Poderíamos concluir este capítulo, afirmando que: o ser humano livre das ideologias de superioridades e inferioridades mais rapidamente se encontra com os éticos da solidariedade e transdisciplinaridade!" (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 81).

"Assim, nossos órgãos, nossos membros e nossas funções orgânicas, enquanto primeiras tecnologias farão brotar do mais íntimo do nosso ser, as músicas, as danças espontâneas, o teatro, a animação infantil, a poesia, as pinturas, as gravuras e outras artes corporais em atos ritualísticos (ecológicos)." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 82).

"Compreendo os elementos, as estruturas minerais, as morfologias, as circulações de ar, as formas dinâmicas das águas, as altitudes e depressões e os diversos movimentos de Gaia como cinéticas ou fisiologias fisicoquímica de um corpo vivo, apenas maior que os corpos de todos nós humanos e demais espécies vivas; consequentemente estaremos dando os primeiros passos para descristalizarmos das nossas couraças mentais (preconceituosas e egoístas) as ideias e as posturas que pervertem o sentido da vida." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 83).


O autor fala de uma cosmovisão (visão maior, planetária) sobre a biodiversidade nascida de uma ancestralidade esquecida, destruída e, atualmente, deturpada. Neste pensamento filosófico, Marx se faz presente ao afirmar que precisamos agora é de transformar. Transformar nosso diálogo com a Mãe natureza. Uma consciência superior aqui é revelada pois a Terra se fez com todos os recursos para que até os animais tidos pelo homem como inferiores pudessem dialogar com o seu habitat, o planeta. Com o passar dos séculos, desenvolvemo-nos através de um processo de humanização intelectual que trouxe vantagens e desvantagens. Começamos pela colonização exploratória européia que visava uma padronização no modo de pensar, onde os negros tiveram suas identidades culturais/espirituais escravizadas. De lá pra cá, houve a abolição da escravatura física, mas o autor chega a citar uma outra escravidão: a mental, onde nossas cultura capitalista preza pela competição predatória que destrói as reservas naturais e seus recursos buscando lucrar. Jorge Conceição ainda afirma que pensamentos de sustentabilidade que visam o mercado, são pensamentos capitalistas disfarçados e, portanto, não se direcionam para o verdadeiro objetivo sustentável. Pensando o nosso planeta como um corpo orgânico, físico, vivo, não é difícil fazermos um paralelo com os nossos corpos. Primeira tecnologia de diálogo com a natureza. Desses corpos, expressamos o teatro, a dança, a pintura. É preciso reativar, reanimar corpos domesticados que tiveram suas sexualidades colonizadas e reprimidas. Esta auto-negação também corporal é vivida até os dias atuais, porém não percebida. O autor propõe uma reflexão a cerca da resginificação deste diálogo com a natureza, conosco, pensando no papel fundamental de uma educação transdisciplinar que visa um olhar voltado para a existência ampla e diversificada a respeito do ponto de partido, do cerne, da unidade que nos liga e conecta.

"Sou uma filha da natureza:
quero pegar, sentir, tocar, ser.
E tudo isso já faz parte de um todo,
de um mistério.
Sou uma só... Sou um ser.
E deixo que você seja. Isso lhe assusta?
Creio que sim. Mas vale a pena.
Mesmo que doa. Dói só no começo."

(Clarice Lispector).

A Capoeira Angola: fundamentos éticos e cosmovisionários.


"A sociedade humana está (desde o momento que foram criadas as sociedades centralizadas, a propriedade privada e a exploração do homem por outro homem) tomada em todas as suas instâncias por valores morais (culturais) e econômicos, que nutrem as classes privilegiadas com os lucros oriundos das produções coletivas das várias classes de artesãos e técnicos. As hierarquias totalitárias, antes de serem caracterizações morais (culturais) de sociedades com o poder centralizado, "os vários impérios ou hegemonias geopolíticas de todos os tempos", são construídas nas nossas infâncias a partir de valores (éticos) educacionais (lúdicos, moral, sexual, ecológicos, coletivos e espirituais) não solidários (individualistas) presentes, principalmente, nos modelos familiares e escolares que se distanciaram dos propósitos diversificadamente solidários (sustentáveis) bastante expressivos em cada fenômeno e forma de vida que a natureza inventou." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 86).

"Ao longo de bilhões de anos de evolução, muitas espécies formaram comunidade tão estritamente coesas devido aos seus vínculos internos que o sistema todo assemelhava-se a um organismo grande e que abriga muitas criaturas (multicreatured). Abelhas e formigas, por exemplo, são incapazes de sobreviver isoladas, mas, em grande número, elas agem como as células de um organismo complexo comum a inteligência coletiva e capacidade de adaptação muito superiores àquelas de cada um de seus membros. Semelhantes coordenações estreitas de atividades também ocorrem entre espécies diferentes, o que é conhecido como simbiose, e, mais uma vez, os sistemas vivos resultantes têm as características de organismos isolados.(CAPRA, 1996, p.44)."  (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 86).

"Exemplifico nesta abordagem, o papel ancestral (pluriétnico e ambiental) da Capoeira Angola, patrimônio cultural imaterial de origem Banto, que caracteriza nas suas expressões plásticas (corporais) uma filosofia sintetizada num movimento pluriambiental composto pela transdisciplinaridade dos demais elementos da natureza ("água do suor do corpo; fogo da dinâmica corporal; ar da respiração; terra onde os corpos se encontram ou território das relações e o tempo ou movimento que é o próprio acontecimento."  (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 86).

"A Capoeira Angola é uma técnica corporal, "uma forma de conduta e intervenção com o outro, indivíduo ou ambiente", tão pluralmente caracterizada de linguagens, que, o colonizador percebeu o quanto ela significava para as afirmações das identidades ancestrais não só dos Bantos, mas, de todas as identidades étnicas africanas escravizadas. Como as formigas e as abelhas da citação de Capra, os africanos escravizados, não poderiam recuperar seus modos de viver livres a partir de movimentos isolados ou individualistas." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 87).

"Povos de diversas origens étnicas (culturais) foram confinados numa mesma senzala." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 87).

"Busquemos o significado filosófico e a origem da Capoeira Angola na biodiversidade do movimento. Na mandinga da Terra Viva, na gestação animal, nos partos naturais, na diversidade de movimentos que realizamos desde nosso nascimento até ficarmos em pé, em cada varrida com a vassoura, nas manipulações de enxadas em hortas orgânicas ou numa fusão sexual podem estar presentes, danças ou lutas!" (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 89).

"O Mestre Hélio Campos, observa sabiamente que, para a capoeira "de tendência regional" ser inserida nas regras desportivas do Brasil e nas exigências internacionais, terá que se submeter a certos "enquadramentos técnicos modernos". No que se refere à Capoeira Angola, esses enquadramentos não serão adequados, pois, os princípios filosóficos quânticos e holísticos que norteiam a Capoeira Angola são transdisciplinares, "não cabem em quadrados ou círculos herméticos", mas, numa bela espiral solidária." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 90).

"As folclorizações impostas às práticas do Candomblé, da Capoeira, do Maracatu, do Samba, do Jongo, do Maculelê e outras heranças culturais africanas contribuíram significativamente para a consolidação da nossa alienação corporal e ambiental ao nos distanciarmos das raízes históricas autênticas. Distorcidos na nossa identidade ancestral, deixamos de compreender (de ler criticamente) a realidade à qual estamos inseridos e fazemos leituras deformadas sobre nós mesmos! Porém, se recorremos às fontes filosóficas das culturas do pleno movimento corporal (asiáticas, africanas, ameríndias e outras) que foram preservadas nas suas autenticidades éticas (cosmovisionárias), veremos, com mais evidência, o grau de perigo que representam as filosofias e práticas culturais folclóricas."  (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 91).

"A liberdade corporal está intimamente ligada a uma consciência humana calcada na inteligência (postura) de unidade na diversidade. Neste sentido, o outro ser humano sou eu próprio nas minhas diferenças complementares (solidárias). O outro é o espelho da minha alma quando meu espírito se abre numa cooperação socioambiental. Mesmo que o outro não pertença a minha espécie, o mais importante é reconhecer que todas as espécies de animais fazem o conjunto ou rede, cuja ancestralidade se expressa transdisciplinarmente constituindo "um elo (totêmico) animal". Na Capoeira Angola, visualizamos a partir dos movimentos dos animais que nos antecedem (zebra, gato (a), macaco (a), canguru, cobra, sapo (a), cavalo, égua, vaca, boi, caranguejo e outros)." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 94).

"A plenitude corporal que embeleza de carícias ecológicas as nossas almas, só se manifesta em corpos que conseguem superar as obsessões por conhecimentos acadêmicos, por sexo pornográfico, por liderança política ou intelectual e por vias racionalistas abusivamente ansiosas pelo poder." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 94).

"Mesmo com os indivíduos mais limitados nas ações psicobiomotoras, a Capoeira Angola de visão e metodologias integrais penetra pelos mínimos canais bioenergéticos (físicos e espirituais) que a pessoa deficiente ainda dispõe. Assim, a Capoeira Angola nos seus exercícios meditativos, lúdicos, unidos à pratica da permacultura e dos movimentos diversos que o nosso cotidiano exige, contribui para urna melhor qualidade na nossa diversidade psicobiomotora!" (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 95).

"A Nova Era se constitui para a humanidade mais uma das várias oportunidades já ofertadas pelo cosmo para que possamos resgatar o movimento corporal e socioambiental do perdão! A Capoeira cosmovisionária se caracteriza por virtudes ou valores, que renovam o espírito humano nas direções de atitudes sustentáveis e justas na unidade." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 96).

"A Capoeira será facilitada (orientada) por iniciadores, "Mestres Domas", sábios e sábias que não necessitam humilhar os discípulos a partir dos golpes violentos e com hierarquizações rígidas. O iniciador sereno(a), não ansioso(a) com o brilhantismo do iniciado(a), não quer apressar "a queda do crescimento espiritual" do (a) discípulo(a) num curto espaço de tempo de um batizado. Acrescenta sobre este assunto o "Mestre Bola Sete" (CRUZ, 2006)." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 96).

"A Capoeira (Angola) Ancestral é uma expressão corporal que ressignifica a dignidade cosmovisionária da biodiversidade a partirdo corpo. Todos nós temos direito a esta oferenda do 5° elemento ("dança/movimento") da natureza! As danças de Shiva, de Krishna, de Ganesha, Oxossi, Iansã, Oxum, Ogun, Iemanjá, Xangô, Ossaim, Nanã, Omolú e outras divindades, não são exclusivas em tais representações divinas. Todas as danças cosmovisionárias estão ao nosso alcance; porém, o medo de amar, o investimento na vaidade, a ansiedade pelo poder egoísta e as desconexões várias nas direções dos signos da vida ecológica nos transformam em agentes suicidas e genocídas corri relação aos grandiosos fenômenos vitalizantes (CAPRA, 1983)." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 96/97).

"Portanto, fazer os corpos crescerem psicoespiritualmente e biomecanicamente, está associado ou condicionado às incorporações de valores culturais eticamente solidários que buscamos e somamos ao nosso caráter. Se pudermos criar possibilidades para ressignificarmos "o jogo da capoeira", que não percamos tempo; "o jogo lúdico" ("o não jogo competitivo") é cosmovisionário e envolve um, dois e mais indivíduos numa teia ecológica, solidária e espiritualmente digna na diversidade qualquer que seja. Assim, a Capoeira Angola, se apresenta no seu conteúdo mais profundo; meditativa combinada aos valores do princípio único ("princípio da unidade") e capaz de tornar todos vitoriosos!"  (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 101/102).

"O que é ser humano? Onde aprendemos a ser humano? Uma contradição trágica dos nossos tempos tem sido o desenvolvimento sofisticado da ciência e tecnologia sem uma correspondente evolução psíquica, ética e espiritual. A aculturação e educação clássica têm se resumido a um processo de adestramento racional e aquisição de um repertório comportamental adaptativo a um contexto mórbido em grande escala. Nas escolas, o aluno é obrigado a se empanturrar de informações - que se tornam obsoletas em quatro anos - e a vomitá-Ias nos exames. Aplica-se o perverso método da comparação, em que uma performance padrão é exigida, com a repressão sistemática da diversidade e originalidade. O tratamento é macico e a transmissão é autoritária, num clima tristemente paranóico, em que um suposto-saber julga um suspeito-saber. Neste alienante sistema, é solenemente desprezado o mais propriamente humano: o plano do coração, das emoções e sentimentos, da intuição, valores e a dimensão noética e transpessoal. (CREMA, 1995, p. 124)" (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 102/103).

O autor defende que a filosofia ancestral pautada na solidariedade e na cosmovisão - transdisciplinaridade da biodiversidade planetária assim como para além de seus domínios, rompendo fronteiras com o Universo e galáxias - como base da Capoeira Angola, não é encontrada na regional uma vez que esta última está mais voltada para a competição, para a luta. A Capoeira Angola nasce da relação do indivíduo com o outro, seja com outro indivíduo ou com o meio ambiente. Aqui é defendida a ideia de que esta relação é dançante já que somos corpos a mover-se através de expressões corporais que desde a colonização até os tempos atuais foram alienadas através do folclore. Esta folclorização cultural rotulou e padronizou os movimentos, aniquilando o espírito natural da vida interior dos indivíduos e a sua biodiversidade pluriétnica. Numa educação tecnicista e de adestramento, o indivíduo perde o seu direito à espontaneidade sendo obrigado a decorar movimentos, posturas, comportamentos desde a sua infância, gerando neste futuro adulto uma negação de seu próprio corpo e uma competição para quem se encaixa melhor nos padrões sociais. Através de maquiagens, roupas, acessórios e até química de alisamento capilar, escondemos o que há de diferente em cada um de nós e buscamos copiar os padrões estéticos de beleza. Numa sociedade onde o primeiro lugar é o mais importante, somos educados a não percebermos o outro enquanto uma extensão, um espelho com peculiaridades e semelhanças e sim, enquanto um adversário a ser vencido, superado. Esta relação de poder nos foi imposta culturalmente através da colonização de dominação e exploração. A capoeira era um crime e, por isso, sua prática proibida pois ela trazia em si o que havia de mais perigoso para a sociedade branca européia dominante, a liberdade cultural de um povo solidário.

"O VENCEDOR", Los Hermanos.

Olha lá quem vem do lado oposto
e vem sem gosto de viver
Olha lá que os bravos são escravos
sãos e salvos de sofrer
Olha lá quem acha que perder
é ser menor na vida
Olha lá quem sempre quer vitória
e perde a glória de chorar 

Eu que já não quero mais ser um vencedor,
levo a vida devagar pra não faltar amor

Olha você e diz que não
vive a esconder o coração 

Não faz isso, amigo
Já se sabe que você
só procura abrigo,
mas não deixa ninguém ver
Por que será ?

Eu que já não sou assim
muito de ganhar,
junto as mãos ao meu redor

Faço o melhor que sou capaz
só pra viver em paz.



A Capoeira Angola: propostas conceítuais transdisciplinares.

"A Capoeira Angola é um caminho ecológico (solidário) para aqueles indivíduos (humanos) que querem mergulhar na ressignificação elasrelações com a natureza primordial que nos criou e às demais espécies. Natureza que não está restrita à nossa biodiversidade, campo rnagnético e processos físicos diversos no planeta Terra. Natureza que é cósmica, "univérsica", e que nos magnetiza a partir da nossa estrela de 53 grandeza; o Sol, com o seu calor vital. Na capoeira deságua em suor, aquece os pulmões, que, com o oxigênio, purificam nossas células de músculos dançantes no 4° elemento terra; numa geometria quântica, "aos improvisos", o 5° elemento, "o movimento", coreógrafa no sagrado solo a espontaneidade paracronológica e metaeuclidiana da vida criativa!" (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 106).

A Capoeira Angola é uma herança sagrada de "Maa Ngala"; daí, a necessidade ritualística que temos em cultivá-Ia nas suas mais autênticas filosofias e performances. Para além de um simples "gingado de corpo", e, de uma "luta interpessoal ou jogo", a Capoeira Angola representa o movimento quântico de toda a energia, "material e imaterial", constituída pela transdisciplinaridade integral. Por esta filosofia cosmovisionária é que afirmamos a Capoeira Angola como um veículo ou método primordial para uma visão em todos sentidos." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 107).

"A reconstrução da memória ancestral pela autenticidade, nos traz o sabor da auto-estima e da cura das nossas doenças mascaradas (FANON, 2008)."  (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 107).

"Se os homens e mulheres resolverem seus conflitos e desencontros sexuais, vão naturalmente, alcançar as graças sensuais (sexuais) divinas, e, seus "territórios corporais", anteriormente, tensos, odiosos, carrancudos, vingativos, ansiosos e segregados, vão experimentar as sensações de interpenetrações emocionais (espiri-tuais) que nos elevam a sensualidade. A identidade com o semelhante complementar, a intimidade com o que há de mais interno no outro, ampliando, por conseguinte, a nossa sensitividade e sensibilidade na direção da sustentabilidade ambiental! A ordem ecológica equilibrada inicia-se no nosso corpo."  (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 107).

"A Capoeira Angola, que estou caracterizando como "Capoeira Ancestral", quando aprofundada quanticamente, é: teatro experimental; memória quântica da biodiversidade animal; sensualidade tântrica; música, dança e poesia; elo com as práticas de permacultura e princípio único na solidariedade corporal e ambienta!" (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 109).

"Quando praticamos sexo na profundidade amorosa (...), a Capoeira Angola se faz presente no silêncio leve dos corpos, na dança espontânea do envolvimento suave, na expressão teatral da rede animal que se precipita no transe quântico, na musical idade dos sons da natureza, na poesia dos gestos, no calor transdisciplinar da atração dos opostos e na maciez dos toques dos músculos! Portanto, esta demonstração de postura holística na sexualidade é própria da essência da Capoeira Angola; a tradução de uma outra "era antropológica"; não segregacionista e filosoficamente não autoritária (presunçosa)!" (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 109).

"O tantra quer acender a sua luz interior. E diz que, com essa luz, o passado se torna simplesmente irrelevante. Ele jamais lhe pertenceu. Aconteceu é natural; mas aconteceu como num sonho em que estivesse profundamente adormecido. Aconteceu - você fez muitas coisas, boas e más -, mas em inconsciência; você não é responsável. E, de repente, todo o passado é consumido pelo fogo, um ser novo e virgem surge - essa é a súbita iluminação (OSHO, 2006, p. 143)." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 109).


"A Capoeira Angola é um teatro experimental movido pela força suprema do coração se o jogo é tântrico; ou seja, se não há jogo competitivo e segregador." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 110).

É impressionante a ligação da Capoeira Angola com a ciência ayurveda que também preza pelo equilíbrio espiritual do indivíduo, unindo o mental/físico/energia. Ambas buscam através de um cuidado com este equilíbrio tornar a vida terrestre evolutiva. É bonito perceber a presença de várias filosofias como a cristã, a rasta entre outras representando esta plurietnicidade que parte de uma unidade, de um mesmo princípio: a preocupação saudável em nos relacionarmos com a natureza divina. Sentimentos como o perdão, amor, solidariedade, iluminação, evolução foram fortes neste capítulo.

A Capoeira Angola: um veículo para educação pluriétnica corporal e ambiental.

"Como vimos no capítulo anterior, a visão do Mestre Bimba na direção da capoeira ficou restrita a um método. O jogo da "Luta Regional Baiana" tem um objetivo fechado numa filosofia de combate, na qual, somos bioenergeticamente condicionados a um estado de espírito (constante) predominantemente voltado para tal objetivo. Na luta ou jogo competitivo, o que predomina, enquanto busca de cada co-participante, é a necessidade de vencer. Quem vai entrar numa luta para perder? Se ninguém compete querendo perder, significa que, por este caminho (método) da capoeira, as crianças são iniciadas para possibilidades apenas de ataques e defesas eficientes (FREITAS, 2006). Com essa visão cartesiana, a Capoeira Ancestral (Angola) é reduzida no seu caráter holístico (totalizante ou integral)!"  (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 113/114).

"A Capoeira Ancestral é a própria essência do "teatro da natureza integral"; "é o teatro experimental negro que Abdias do Nascimento (2002) tanto sonhou. É uma base filosófica para a reconstrução da identidade africana". Na integridade da Capoeira Angola, estão transdisciplinalizados o teatro, a dança dos elementos da natureza, a dança tântrica (quântica), a educação física natural (não acadêmica), os conteúdos para iniciações cosmovisionárias a partir da infância, "os conteúdos implícitos e explícitos", percebidos a partir da visão integral, que nos trazem a compreensão da história ambiental pelas expressões corporais e sabedorias das transmissões orais'."  (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 115).

"O conteúdo pedagógico que se apresenta aos olhos fisiológicos, "do racionalismo mecanicista", da leitura acadêmica mais comum, que é cartesiana (fragmentada), não ultrapassa os limites de uma "capoeira" interpretada como "jogo ou luta" disposta às ações folclóricas nas escolas públicas, nas praças, nos locais de eventos turísticos, "restaurantes, hotéis, clubes e outros", contribuindo desse modo para continuidade de "uma consciência pluriétnica" distorcida historicamente e alienada da identidade ancestral autêntica!" (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 116/117).

"(...) Portanto, a filosofia da Luta Regional Baiana ou "Capoeira Regional", restrita ao aprimoramento dos movimentos corporais nas direções das várias formas de lutas, competições esportivas e outras análogas, não traduz a pluralidade dos significados culturais (filosóficos) que estão presentes em algumas palavras sagradas e "mandigas" (quânticas) de alguns pouquíssimos mestres da Capoeira Angola!" (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 117).

A Capoeira Angola e a Cosmovisão Banto.

"As danças, assim como as demais manifestações artísticas, "poesia, teatro, pintura, escultura e outras", são caminhos filosóficos lúdicos ou dramáticos, que retratam as realidades humanas e socioambientais diversas; tanto as oriundas dos sentimentos e ações individuais como as artes mais coletivas traduzem as identidades, as cumplicidades políticas (ideológicas), as ideologias acadêmicas, as formalidades rígidas, as capacidades criativas flexíveis e outros modos de contemplar ("festejar") ou contestar ("criticar") o que está vigente enquanto norma, padrão, ordem social e filosofia de vida dominante." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 118/119).

"De fato, concretamente, a filosofia nunca deixou de estar bem articulada a uma ideologia política, a uma formação ideológica de classe. Por outro lado, pela própria necessidade de sua reprodução, de seu discipulado, sempre constituiu aparatos filosóficos hegemônicos ou contra-hegemônicos. Hegemônicos, quando se encontra articulada a classe dominante (que pode ser escravista ou aristocrática como em Atenas, feudal como na Paris do século XIII, burguesa como na Jena do século XIX, ou operário-camponesa em Cuba e outros países socialistas); ou, contra-hegemônicas, se se articula com classes superadas (reacionárias) ou emergentes (revolucionárias). Filosofia, ideologia política e aparatos hegemônicos ou contra-hegemônicos filosóficos são três momentos indivisíveis da história da fílosofia. Filosofia com autonomia própria, mas sempre autonomia "relativa" à ideologia política e à viabilidade ou não de seus aparatos próprios" (DUSSEL, 1977, p. 237)."  (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 119/120).

"A dança, "exemplificada aqui na Capoeira Angola", calcada numa filosofia cartesiana, com objetivo hermeticamente voltado para o "brilho individualista", "queima o Solou luz do outro"; quando os nossos propósitos competitivos perdem a essência divina da solidariedade (ecológica), o espírito de opressão toma conta das nossas coreografias e postura de vida, não nos permitindo assim, vislumbrarmos os encantamentos que os movimentos diferentes no outro nos causaria." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 121).

"Portanto, as características psicoespirituais, fisiológicas, artísticas, coreográficas e ecológicas dos grupos sociais que se baseiam nos princípios da ordem natural (biodiversificada) para produzir cultura são pertinentes a uma racionalidade holística! Ou seja, o ser humano concebido, formado e consciente de sua íntima relação com o macrocosmo, contribui com o respeito e o cuidado nas direções das diversidades étnicas e ambiental." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 122).

"Portanto, na concepção Banto, o metafisico, o imaginário, o intuitivo e o racional não são fenômenos segregados pela razão mecanicista; a razão é intrinsecamente holística ou integral. A racionalidade Banto é equivalente a uma cosmoconsciência; que significa uma ampla possibilidade de interações, relacionamentos, entendimentos e aprofundamentos na consciência, que, poucas culturas humanas mantiveram nos seus hábitos."  (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 123).

"Na Capoeira Angola, verificamos claramente as diversas fases animais, "evolução totêmica", nos movimentos corporais. Rastejamos como os répteis (cobras e outros) como se reverenciássemos essa ordem zoológica, ao tempo em que, resgatamos e conectamos a nossa criança em evolução biomotora (psicomotora), ficamos de cócoras e pulamos como os sapos; saindo com as mãos para trás, se inclinando da cocorinha copiamos os caranguejos, os siris e outros crustáceos; de mãos e pés no chão e com as pernas e braços alongados e firmes copiamos e agradecemos aos quadrúpedes (gatos, tigres, cães, onças, javalis, vacas, bois, leões, zebras, elefantes, égua, cavalos e outros) por essa precisão que herdamos nos nossos fortes membros; semi-erecto (semi-ereto), como os cangurus, os macacos e outros primatas próximos de nós, pulamos, subimos em árvores com facilidade, "fazemos macaquices", "brincadeiras com sons e coreografias", e completamos o elo totêmico (ancestral) com uma consciência humana mais solidária e cuidadosa na biodiversidade!" (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 125).

"É também fundamental, que na reconstrução do Capoeirista Angola estejam repensados os hábitos nutricionais e as relações totais com os valores que respeitam e preservam todas as formas de vida!" (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 126).

"O fogo harmonizado pela dinâmica que empreendemos na prática da Capoeira, nos orienta para tomadas de atitudes mais consequentes no sentido da redução do efeito estufa e do aquecimento global; a água do nosso suor aprofunda a compreensão e necessidade de preservação, cuidado e luta por democratização dos recursos hídricos vitais; a consciência do elemento terra a partir do lugar onde nos movimentamos e nos aproximamos uns dos outros, nos guia para ampliação dos nossos atos de justiça na distribuição das terras produtivas economicamente, e, nos sensibiliza no sentido dos manejos ecológicos, "a exemplo da permacultura"; "o quinto elemento" ("o movimento") está na essência de nossos atos sensatos com a ecologia corporal e ambienta!" (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 126).

"O que presenciamos na maioria das rodas de capoeira, "Angolaa e Regional", são as exibições individualistas, "predominantemente narcisistas", que conferem aos praticantes com essa postura, características pessoais que estão muito distantes de uma identidade que prioriza o crescimento coletivo e o cuidado com o ambiente integral. A competição no jogo da capoeira zela pela eficiência dos "egos particulares"; não há, a partir da maioria, um movimento que cuide do aumento da capacidade do outro; o outro é geralmente o alvo e aquele que o Eu quer derrotar. Nesse jogo, a identidade está segregada da cosmovisão." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 128).

"A palavra tantra, vem da antiga linguagem sânscrita que significa expansão por meio da percepção. Tantra é um caminho espiritual que envolve práticas muito específicas que utilizam respiração, sons, movimentos e símbolos para quietar a mente e ativar a energia sexual, dirigindo-a por meio do corpo para conseguir estados de consciência e felicidade (KURIANSKY, 2007, p. 34)." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg 128).

Golpes em gifs.

(ginga)





 (aú com as pernas dobradas)






 (aú com as pernas esticadas)







(negativa ou esquiva)






(meia lua de frente)





(meia lua de compasso)

Rafael Alves França | Mestre Cobrinha Verde | Bahia 1917 - 1983



Rafael Alves França, o Mestre Cobrinha Verde, viveu entre 1917 e 1983 e foi um dos mais temidos e respeitados capoeiristas de sua época.

Nascido na cidade de Santo Amaro da Purificação, berço da capoeira baiana, afirmava ser um parente legítimo do lendário capoeirista Besouro Mangangá, mais precisamente seu primo.

Foi com ele que aos quatro anos de idade que se iniciou na arte da capoeiragem. Além de seu primo, também teve a oportunidade de aprender com os mais famosos capoeiristas daquela época, como Siri de Mangue, Canário Pardo e Doze Homens.

O apelido "cobrinha-verde" foi dado pelo próprio Besouro Mangangá, devido à sua agilidade e destreza com as pernas. Foi um dos poucos conhecedores do jogo de "Santa Maria".

Toque onde os capoeiras jogavam com navalhas entre os dedos dos pés e chegou a ser o mais antigo capoeirista em atividade.

Alcançou o posto de 3° Sargento no antigo Quartel do CR em Campo Grande e chegou a participar da revolução de 32. Após dar baixa no exército, começou a dar aulas de capoeira na Fazenda Garcia.

Também ensinou no Centro Esportivo de Capoeira Angola Dois de Julho, localizado no nordeste de Amaralina. Chegou a dividir os trabalhos com Mestre Pastinha, onde passou seus conhecimentos para seus alunos que incluíam os futuros mestres, João Grande e João Pequeno.

Cobrinha Verde sempre ensinou a capoeira de graça. Conforme foi contado por ele próprio, seu primo Besouro o fez prometer que jamais cobraria dinheiro para ensinar a arte da capoeira. E essa promessa foi mantida até o final de sua vida.

Em determinada época de sua vida Mestre Cobrinha Verde sai do recôncavo baiano e viaja grande parte do nordeste se metendo em várias aventuras, entre elas, acompanhar o bando de cangaceiros de Horácio de Matos.

Em uma dessas aventuras contou que em certa ocasião, armado com um facão de 18 polegadas, enfrentou oito policiais que abriram fogo contra ele e com o dito facão conseguiu desviar todas as balas. Alguma semelhança com seu primo Besouro?

Esta e muitas outras façanhas eram atribuídas não só à sua agilidade e destreza, mas também a algumas mandingas que só os baianos do recôncavo conhecem.

Contava o mestre que essas mandingas foram ensinadas por um africano de nome Pascoal que era vizinho de sua avó. Dizia o mestre que possuía um patuá com poderes mágicos, que poderiam livrá-lo de inimigos e de algumas situações críticas, quando se metia em alguma confusão.

Dizia também que esse patuá era vivo e que ficava pulando, quando era deixado num prato virgem. Mas um dia o patuá foi embora por causa de um erro que o mestre havia cometido.

Depois de muitas aventuras e "causos" para contar, Cobrinha Verde volta à Bahia, onde vive até o final de sua vida.

Em 1963, foi convidado pelo ator de cinema Roberto Batalin, para gravar um disco de capoeira, junto com os mestres Traíra e Gato. Este disco recebeu o nome de "Traíra Capoeira da Bahia".

Foi um dos primeiros do gênero e é considerada uma obra prima da capoeira. Em 1983, Mestre Cobrinha Verde se despede deste mundo, deixando um legado digno dos antigos mestres da capoeira da Bahia.

Salve Mestre Cobrinha Verde.

diário de bordo / 24.04.2014.

PARTE TEÓRICA.

Sentados em círculo, a professora passou para nós o cronograma das aulas com apresentação de seminários e possível viagem à Chapada Diamantina.

Apresentação de slides sobre alguns mestres da capoeira (Cobrinha Verde, Pastinha e Bimba) com fotos de indumentárias, insígnias, instrumentos musicais, entre outros, onde podemos ver um pouco da história desses mestres e suas academias. De como, por exemplo, Cobrinha Verde em suas pinturas era inspirado pela sua fé e diálogo com essa inteligência/consciência superior (imagens de São Thomé e Caboclo).

Ainda sentados em círculo, discutimos os capítulos 1, 2 e 3 do livro Capoeira Angola: ensaio sócio-etnográfico, escrito por Waldeloir Rego.

intervalo de 10 minutos.

PARTE PRÁTICA.

Alongamento.

Ginga, golpes e sequências criadas pela professora. Ela pedia para o monitor Gustavo e uma aluna que já são capoeiras realizarem as sequências enquanto nós alunos observávamos para depois fazermos.

A aula terminou com uma roda de capoeira e cantoria.




quinta-feira, 24 de abril de 2014

INRODUÇÃO. "Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental.", de Jorge Conceição.

"A capoeira, assim como o candomblé e outras expressões culturais dos africanos, está no nosso contexto atual, como um grande exemplo de veículo para os ensinamentos de conteúdos que fortalecem a solidariedade e a estima de crianças, jovens e orientadores afrodescendentes nas escolas públicas. Podemos observar nos ensinamentos dos mestres mais antigos, associados aos movimentos ou evolução corporal durante as rodas, várias mensagens de fortalecimento da consciência humana para uma plena saúde corporal (espiritual) e ambiental (ABIB, 2005)." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg. 11).

"(...) por isto, este domínio da natureza corporal é também, sabedoria para se relacionar com o ambiente integral, é possibilidade de dois corpos se encontrarem com mais sensualidade e cuidado (...) (SOARES, 2001)." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg. 12).

"Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer." (FREIRE, Paulo).

"Morin observa que, ter "a cabeça feita" é permitir uma constante mutação ou renovação do nosso olhar sobre qualquer realidade caracterizada por complexas representações sociais ou diversidades culturais." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg. 14).

"A capoeira que será incorporada nos meios acadêmicos ("recriada por Mestre Bimba") não terá nas suas performances e filosofia a presença das raízes ecológica (ancestrais) das quais, a Capoeira Angola descende (...) Os mestres de capoeira (dos mais tradicionais aos mais contemporâneos), os professores de educação física, os educadores de um modo geral, demais estudiosos e praticantes das diversas modalidades de capoeira estão limitados num conceito e práticas, o jogo") que não nos permitem uma visão mais profunda do conteúdo ecológico (corporal e ambiental) intrínseco na cosmovisão ancestral do povo Banto e que outras espécies de animais, "menos racionais", coreografam nos seus movimentos." (CONCEIÇÃO, Jorge. Capoeira Angola: educação pluriétnica corporal e ambiental. 2009. pg. 16).

A capoeira tem sido vista majoritariamente como um jogo lúdico e/ou uma arte de defesa corporal. Mostra-se necessário e de fundamental importância que novos estudos se aprofundem mais nos conteúdos da capoeira a fim de perceberem nela as inúmeras possibilidades de relação com o meio ambiente (a natureza) e a espiritualidade (independente de religião; espírito como princípio imaterial, substância incorpórea e inteligente, essência, ideia predominante, sentido, significação.), agindo desta forma na  nossa auto-estima, afrodescendentes que somos. Durante a colonização, os negros foram escravizados e sua cultura alienada e perseguida (além de ser legalmente tida como crime) de tal forma que estes mesmos seres vivos de sujeito passaram a objetos desvalorizados espiritualmente mas valorizados como mão de obra barata e submissa. A capoeira nasce, então, da alegria desses escravos em resposta a seus colonizadores a fim de transformar a dor e como uma forma de defesa. Repensar a capoeira nesse sentido vai de encontro com o pensamento freiriano que defende a ideia de que o indivíduo deve ser o sujeito da sua própria educação e não objeto. Repensar a capoeira para além do turismo folclórico e da vida acadêmica, revisitando sua ancestralidade filosófica de vida.